Aqui fica para a posteridade, o meu mail na integra que enviei há uns meses para a Hype! sobre a temática em discussão logo no seu número inicial. Como não foi publicada, e hoje sinto-me particularmente preguiçoso, que melhor maneira de dar uso a este monte de texto que está aqui a ganhar pó no meu PC do que o partilhar convosco.
Cá está uma questão recorrente entre mim e os meus amigos. Infelizmente, acabamos quase sempre todos aos berros em vez de chegarmos a um consenso... porque a percepção de 'arte' é extremamente subjectiva.
Por exemplo, facilmente todos cantamos em uníssono "O 'Gears of War' é arte!" , para segundos depois um elemento do sexo feminino proferir "Arte? É um gajo feio com armas grandes a matar gajos ainda mais feios!" . Abençoadas as mulheres, por conseguirem desfazer toda a mítica dos jogos que tanto nos apaixonam com a sua percepção diferente do mundo... mas isso será certamente um tema para outra altura.
Embora seja indiscutível que um jogo é um produto de artistas (designers, músicos, guionistas e sim, programadores, cuja arte é quase sempre invisível ao público, mas está lá) infelizmente, nem sempre o produto final pode ser considerado 'arte'. Parte desta situação deve-se ao estado da indústria em si, onde sequelas sem inspiração enchem as nossas prateleiras de lixo (sim, EA, estou a olhar na vossa direcção... mas a culpa não é só vossa) e que pelo nome apenas conseguem vender uma quantidade significativa de unidades, recompensado assim não a imaginação e a criatividade, mas o "jogar pelo seguro" de fazer um jogo com uma licença e usando motores de jogo já usados no ano anterior. Isto não é arte, é reciclagem.
Felizmente, ainda existe percentagem de sequelas que são 'arte', como 'Metal Gear Solid 3', 'Devil May Cry 3', 'Resident Evil 4' , 'Ace Combat 6' e muitos outros, mas sobre esses jogos cai uma pressão enorme de manter a qualidade que fez os originais um sucesso... o que pode levar a trabalhos à pressa ou a erros graves na sua produção... quem jogou 'Rogue Squadron 2' na GameCube para depois ser presenteado uns anos mais tarde pelo 'Rogue Squadron 3', percebe onde eu quero chegar.
Mas ainda mais grave nos tempos correntes, quando a 'arte' é penalizada e mesmo censurada. Já muita tinta correu sobre o tema do 'Manhunt 2', por isso vou-vos poupar à minha opinião sobre a censura, preferindo antes referir um evento que me deixou bem mais triste:
'Okami'.
É arte! É impossível qualquer pessoa ficar indiferente ao 'Okami'. De facto, todos os jogos da Clover Studios têm uma vertente artística, presente do 'Viewtiful Joe', no 'GodHand' e atigindo a sua exponente máxima com o 'Okami'. No entanto, não vendeu em número de unidades suficiente para a casa-mãe (Capcom) justificar a sua existência, tendo a mesma decidido em 2006 dissolver a Clover, assimilando parte do seu staff enquanto os restantes formaram um novo estúdio independente.
Levantaram-se muitas vozes de desagrado contra a Capcom,especialmente por parte dos fãs, no entanto, poucos foram os que se aperceberam que a culpa não é da Capcom, que como muitas semelhantes, não está no ramo da filantropia, mas para fazer dinheiro, obrigação que deve aos seus accionistas. A culpa está sim, mais uma vez, no estado actual da indústria, sendo este um dos exemplos mais flagrantes de penalização de uma obra de arte fresca e inovadora, que tal como muitas outras obras de arte ao longo da história, não lhe foi atribuído o devido valor na data do seu lançamento. O jogo saiu tarde na Europa e encontra-se actualmente à venda por menos de 20 euros novo... se fosse um jogo feito por mim, o meu coração estaria partido.
O Bono dos U2 uma vez disse "I don't understand it... so it must be art." quando inquirido sobre a lendária 'Zoo TV'. É exactamente por isso que é difícil ter uma posição definida neste assunto, eu não percebo porque é que um jogo para mim é arte. Apenas sei que aqueles que considero arte, são os que me fazem esquecer o mundo real e que me permitem sonhar. Pena a indústria cada vez está a perder mais a sua inocência (se é que alguma vez a teve...) e onde jogos que custam milhões de dólares a produzir sejam processados por uma extensiva máquina de marketing que transforma muitas vezes puro lixo em moda essencial, criando a necessidade de os comprar... mas enquanto nomes como Shigeru Miyamoto ou Hideo Kojima fizerem parte dessa mesma indústria, a 'arte', de uma maneira ou outra, estará sempre presente. Resta-nos a nós, público consumidor, recompensá-la de forma a mostrar às distribuidoras que nem todos somos autómatos alinhados nas lojas à espera de comprar o 'G.T.A. XXVIII: Mass Nuclear Armageddon on the Moon' (hey! Só pela premissa do nome, eu comprava!), que ainda há deste lado quem goste de ser surpreendido por criatividade e ideias novas... "art lovers".
Ironia das ironias, para finalizar esta minha já extensa opinião, rumores apontam que o nome "Clover" adveio da junção de duas palavras distintas: "Creativity Lover".
Shiryu